Era véspera de reveillon e eu estava doida pra viajar, mudar de ares, começar o ano num país diferente, de um jeito diferente para quem sabe fazer deste; um ano diferente.
Implorei por 1 dia de folga que meu chefe fez questão de negar, me fazendo acreditar até o fim que dia 31 seria a working day.
No dia 29, quando grande maioria das pessoas daqui já tinha reservado passagens aéreas e feito planos para a virada do ano, ele nos manda um email dizendo que teríamos folga no dia 31.
Eu fiquei louca, quis explodir, dentro de mim o xinguei em todas as línguas possíveis e imagináveis, chorei, fui lá tirar satisfação e voltei correndo pra casa com esperanças de achar algum ticket ainda a venda.
Não podia ir à Austrália, Brasil ou Europa...Tinha que ir pra algum lugar aqui perto, já que teria somente 1 dia de folga + o fim de semana.
Meu namorado é do Líbano e pensamos então que seria bom para mim enfim conhecer seus pais.
Somente uma companhia aérea tinha ainda tickets para Beirut: Air Arabia
Não pensei 2 vezes, sem nem consultá-lo apertei enter e comprei as passagens.
No dia 31 de manhã fomos ao aeroporto de Sharjah - um emirado vizinho de Dubai bem conservador - onde a Air Arabia tem sua base.
Já no check-in a filipina ao ver meu passaporte brasileiro me perguntou com desconfiança onde estava o meu visto para o Líbano. Eu expliquei com paciência que por ser brasileira não preciso de visto para o Líbano, que posso tirá-lo no aeroporto. Ela me pediu um minuto e foi verificar. A minha paciência que não é grande já estava prestes a me deixar na mão quando ela voltou e me disse que podia ir para o portão de embarque.
Seguimos então, meu namorado e eu, sem segurar as mãos ou qualquer outro sinal de afeto, já que isso é extremamente proibido para não-casados. E também porque seria inadmissível e inaceitável que uma menina solteira ( de 26 anos) estivesse viajando na companhia do namorado.
No portão, quando todos estavam organizados em fila, me chamam de canto e me dizem que não poderei embarcar.
Eu já não escuto, não tenho paciência, e me seguro para não partir para a ignorância, pq dentro de mim eu sabia qual era a razão.
Meu namorado então começa a interferir. Aqui estão as pérolas vindas dos nossos amigos:
- Para poder entrar no Líbano ela precisa de uma reserva de hotel em seu nome
- 2 mil dólares em dinheiro
- 100 dólares de taxa a ser paga neste aeroporto
e finalmente o pior - uma carta de não objeção escrita pelo pai dela - em que ele a autoriza a viajar sozinha
Eu não podia acreditar no que estava ouvindo. Uma mulher de 26 anos, independente financeiramente e super esclarecida precisa de uma autorização do pai para poder viajar?
O homem me perguntou: Vcs 2 são casados? Eu disse que ele era meu colega. Ele me respondeu: Vcs estão indo juntos, ne? Isso é proibido! Então o respondi: Meu filho, somos colegas, estou indo para o país dele, ele está no mesmo aeroporto que eu, vc quer que eu finja que não o conheço?
Vc ficaria mais feliz se fizesse isso?
"Madame, fique calma, não se estresse. Vc só pode embarcar naquele avião se tiver autorização por escrito do seu pai ou marido".
Que coisa é essa? Cadê meu direito de existir, de ir e vir? Onde estão os meus direitos de mulher? E então vi na pele que justamente por ser mulher não tinha direito algum naquela cidade. Se não tiver meu pai do meu lado ou um marido que me acompanhe eu simplesmente não existo.
Comecei a chorar...Liguei pro meu pai, pedi para que ele conversasse com os caras em árabe, nada adiantava. Ser filha de libaneses e querer visitar meus avós não era motivo o suficiente para aqueles homens.
Minha sorte foi que meu "sogro"é amigo de alguém importante do aeroporto de Beirut, e me autorizou a viajar. Cheguei ao meu destino muito triste, me perguntando de onde foi que esses idiotas aprenderam que têm mais direitos do que nós? Eu sou livre, não devo nada a ninguém, pago minhas contas...pq se acham melhores do que nós?
No aeroporto do Líbano soldados estavam a minha espera caso algum imprevisto acontecesse.
Tudo deu certo apesar da confusão. Aproveitei o ano novo, conheci a família dele, adorei o pouco que vi do Líbano...Mas de uma coisa eu sei: Nunca mais deixo alguém se aproveitar do fato de eu ser mulher. Boicoto a Air Arabia e boicoto esse aeroporto de Sharjah, mas ninguém interferirá no meu direito de ir e vir.